February 26, 2015

A TRINCHEIRA



No bilionário território em que vivemos, o Grande Prémio de Macau é o acontecimento desportivo mais relevante do ano. A sua preparação exige não apenas a convocação de todos os recursos disponíveis localmente mas, também, a inspecção de todo o piso da pista, palmo a palmo, pela F.I.A. (Fedération Internationale de l'Automobile) porque o desporto, qualquer desporto, tem a sua quota parte de risco que pode perigar vidas. Macau já viu morrerem vários pilotos, no decorrer da sua longa história.

Assim, serão sempre de aplaudir todas as medidas tendentes a aumentar a segurança e a necessária qualidade do percurso, o que tem sido conseguido.

Tem assim, Macau, no Grande Prémio, um exemplo, não só de grande qualidade organizativa e de afectação de meios e recursos, como tem - curiosamente - passado despercebido como o paradigma organizativo e de standardização daquilo que deveriam ser os parâmetros organizativos de todos os eventos desportivos em Macau, porque existe uma referência.

Assim, tudo o que esteja abaixo dessa referência pode e merece ser classificado de sofrível, medíocre ou mau.

E neste último degrau está o futebol em Macau, por muito que doa a quem doer, é tão mau que qualquer equipa das distritais portuguesas daria cabo da melhor equipa da paróquia.

E é mau porque tudo está mal. O dono dos campos gere-os e quere-os de determinada maneira, relvados que acabam a meio do campeonato em recintos calvos, daquela calvície feita de abuso, de incontinente gestão, de excesso, o que se traduz em duas palavras: má gestão.

O abuso é tão grande que resolvi intitular este texto de TRINCHEIRA como referência ao desgaste feito na relva e no próprio terreno onde o fiscal de linha corre, para a frente e para trás por 5 jogos semanais, um verdadeiro atentado a qualquer relvado natural. Espelha, de certo modo, o futebol em Macau.

O modelo organizativo dos campeonatos de futebol de Macau, precisa de ter, como paradigma, a organização do Grande Prémio e a nomeação de uma equipa verdadeiramente qualificada para resolver, de vez, os inúmeros problemas que começam com campos de relvado natural que se inutilizam num mês, constituindo-se em pisos perigosos que nenhuma Federação ou organismo responsável (sim, eu disse responsável) permitiria fosse utilizado. Por outro lado, os árbitros são, incrivelmente, funcionários da Associação que organiza, com a qualidade xunga a que nos habituou, o pontapé na bola em Macau, e onde inclui num acordo consigo mesma, as equipas dos sub-qualquer-coisa por si própria patrocinadas para um campeonato por si organizado.  
E, a agravar tudo isto, vem o facto de essas equipas pobremente treinadas, serem as únicas que podem treinar nos estádios, salvo as raríssimas excepções que confirmam a regra, fruto de milagres que não sabemos (nem queremos) operar.

A situação dos árbitros é uma questão que qualquer entidade verdadeiramente responsável veria com maus olhos, sabido como é necessário e fundamental que a arbitragem esteja integrada num organismo interiamente independente. É que, como com a Mulher de César, não basta ser-se honesto, é preciso parecê-lo.

E porque todos os desportos devem merecer o mesmo respeito e qualidade organizativa referenciada pelo exemplo do Grande Prémio, direi ainda que o futebol em Macau padece de uma crassa má gestão alimentada por uma ignorância enorme sobre o que é gestão de recursos. Há uma inflacção de divisões mais do que inútil e visível, campeonatos de futebol com meras dez equipas cada, situação absolutamente desnecessária e dispensável. Ironicamente um dos campos, o mais histórico, está promiscuamente envolvido com cães e os seus dejectos, fonte excelente de tétano.

Tem o Sporting Clube de Macau lutado por relvados sintéticos de última geração, que oferecem uma enorme capacidade de utilização intensiva, que é o que faz falta em Macau.

Porém, ao contrário do que, numa sociedade desenvolvida seria o acolhimento de ideias assumidamente óbvias, prevalece a preocupação pelas aparências, própria das sociedades retrógradas e paroquiais onde o pequeno poder é isso mesmo, pequeno.

Isto é, onde a importância da relva natural como factor de prestígio é mais importante do que a correcta gestão dos espaços e da classificação internacional. Face ao ratio entre o poder económico de Macau e o seu futebol, a equação atinge o ridículo.

Por tudo isto parece óbvio que o futebol em Macau só encontrará capacidade para se desenvolver verdadeiramente quando for criado um organismo oficial, à semelhança do Grande Prémio, acima de quaisquer suspeições, composto por especialistas que abundam por esse mundo. É de qualidade que se fala, é de experiência internacional que se deseja, é de organização qualificada em vez da mediocridade paroquial inteiramente desadequada ao nível económico de Macau. É preciso que esteja alinhada pela fasquia organizativa do Grande Prémio.

A acentuar esta situação, a entidade que organiza os campeonatos locais, sem qualquer consideração pelos clubes e equipas neles envolvidos, resolve suspender os jogos do campeonato de Macau durante todo o mês de Março para que se realizem apenas quatro jogos para os Asiáticos, como se pode ver aqui. Será certamente por uma questão de prestígio da relva.

Isto significa que, de repente, sem o cuidado de falar com os clubes e equipas - pelo menos o Sporting Clube de Macau não foi informado - suspende-se o ritmo de um campeonato por um mês, com a sobrecarga de despesas com ordenados que facilmente se adivinha e o total desrespeito para com todas as equipas e clubes de Macau e pelas competições que a Associação organiza.

Alguém disse-me um dia que o futebol não tinha público. Eu concordo inteiramente. Mais ainda, digo que nós somos quem mais público apoiante leva ao estádio. Mas perante tal afirmação fica a pergunta cuja resposta aguardo: e a culpa é de quem?

Este é o Campeonato de Futebol de Macau, de uma das mais ricas cidades do mundo mas de uma pobreza organizativa que, se não fosse tão trágica, seria o gáudio do mundo.

Esperam-se mudanças de fundo.